Cortar com a Rússia para amarrar a China
Donald Trump e Vladimir Putin têm encontro marcado a 11 de novembro, em Paris. À margem das comemorações do 100º aniversário do fim da I Guerra Mundial, os Presidentes dos EUA e da Rússia irão abordar a última rutura decidida pelo primeiro, que alvejou o segundo como um míssil teleguiado: o rasgar do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermédio (INF, sigla inglesa), assinado por Ronald Reagan (EUA) e Mikhail Gorbatchov (URSS) na reta final da Guerra Fria.
“Não estou certa de que seja uma rutura. Trump quer negociar com a Rússia um novo acordo. Não devemos ver este rasgar de tratado como um fim em si, mas o princípio de outra coisa”, comenta ao Expresso a investigadora Diana Soller, do Instituto Português de Relações Internacionais. “O Tratado é muito menos abrangente do que possamos pensar, só contempla armas nucleares de alcance intermédio. Mas Trump conseguiu o que queria: dar um passo simbólico relativamente à Rússia numa tentativa de desfazer tratados que considera nocivos para os EUA.”
A desconfiança de Washington em relação ao incumprimento por parte de Moscovo não resulta de descobertas recentes. Em fevereiro, o documento “Nuclear Posture Review”, do Departamento de Defesa, já alertava para a “decisão da Rússia de violar o Tratado INF”, através da “produção, posse e teste de um míssil de cruzeiro lançado do solo” (ver infografia). Trump explodiu agora. Porquê?
AMEAÇAS E INCENTIVOS
“Trump quer um novo tratado não só com a Rússia, mas que inclua a China”, que considera ser o principal rival dos EUA, descodifica Soller. Por um lado, o americano quer conter a Rússia do ponto de vista nuclear, por outro considera que não faz sentido, no sistema internacional de hoje, ter um tratado a dois quando o futuro é a três: EUA, Rússia e China são os atores do futuro.
Pequim reagiu através de Hua Chunying, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que defendeu que a retirada americana do INF “terá um efeito multilateral negativo”. Caberá a Trump “atrair a China com ameaças e incentivos”, diz a investigadora, para que Pequim saiba o que esperar se decidir ficar fora ou alinhar num novo tratado.
“As suspeitas levantadas por Trump sobre um alegado desrespeito de Moscovo não serão totalmente infundadas, mas o modo como o anúncio foi feito foi tudo menos tranquilizador”, diz ao Expresso o analista de política americana Germano Almeida. “Gorbatchov chamou-lhe ‘um erro que revela falta de sabedoria’. Mas depois do modo submisso e, para muitos, humilhante como Trump se apresentou ao lado de Putin em Helsínquia, esta demarcação terá sido estratégica.”
A 16 de julho, na capital finlandesa, a cimeira entre ambos causou desconforto nos EUA por Trump ter posto em causa a competência dos seus próprios serviços secretos na investigação à interferência russa nas eleições de 2016. Mas se dali Trump saiu diminuído, em Paris será ele a bater as cartas.
Nenhum comentário